Duas decisões europeias sobre o
sistema de entrega de anúncios de emprego no Facebook — a primeira na Holanda
e, meses depois, outra na França — colocam sob escrutínio o papel do desenho
algorítmico na igualdade de oportunidades no mercado de trabalho. Em ambas,
concluiu-se que a veiculação de vagas diferencia usuários por gênero,
caracterizando discriminação indireta e exigindo medidas de correção por parte
da Meta.
Em 10 de outubro de 2025, o
Défenseur des droits — autoridade administrativa independente francesa
incumbida de proteger direitos e liberdades e promover a igualdade entendeu que
o algoritmo de entrega de anúncios de emprego no Facebook diferencia usuários
por gênero, configurando discriminação indireta nos termos da Diretiva
2006/54/CE, isto é, quando um critério aparentemente neutro coloca um sexo em
desvantagem, salvo justificativa objetiva e proporcional. Determinou, ainda,
que a Meta Ireland e o Facebook France adotem, em até três meses, medidas para
assegurar a veiculação não discriminatória das vagas. Em 4 de novembro de 2025,
a Meta informou que discorda do entendimento e que avalia suas opções,
sinalizando que o tema tende a avançar para outras instâncias.
Antes disso, uma decisão
proferida em 18 de fevereiro de 2025 pelo Instituto Holandês de Direitos
Humanos entendeu que a entrega de anúncios de emprego no Facebook reforçou
estereótipos de gênero: profissões tipicamente femininas foram exibidas
sobretudo para mulheres, enquanto vagas de mecânico apareceram majoritariamente
para homens. O Instituto registrou que a Meta Ireland não demonstrou a
inexistência de discriminação proibida e reconheceu que o dado “gênero” pode
compor a lógica de entrega dos anúncios. Embora não vinculante, a decisão é
persuasiva, pode ser considerada por tribunais e tende a orientar a atuação da
Autoridade Holandesa de Proteção de Dados (AP), com possíveis ordens de
adequação e sanções sob o GDPR, especialmente diante de impactos desproporcionais
sobre grupos protegidos.
Do ponto de vista regulatório, os
casos também dialogam com o enquadramento das grandes plataformas (VLOPs) pelo
Digital Services Act (DSA), que exige identificação e mitigação de riscos
sistêmicos a direitos fundamentais — inclusive à não discriminação —, além de
auditorias independentes e acesso a dados para pesquisa. Quando há tratamento
de dados pessoais na entrega de anúncios, aplicam-se ainda os princípios do
GDPR, em especial licitude, transparência e fairness.
As queixas que motivaram esses
procedimentos foram impulsionadas pelo Bureau Clara Wichmann (organização
holandesa de direitos das mulheres, com foco em litigância estratégica) e pela
Fondation des Femmes, com base em experimentos conduzidos pela Global Witness
em seis países. A Meta sustenta que impõe restrições de segmentação a anúncios
de emprego e que não permite direcionamento por gênero (medida em vigor nos
EUA, Canadá e em mais de 40 países e territórios europeus, incluindo França e
Holanda). Alega-se, no entanto, que a empresa não detalhou o treinamento do
sistema de entrega: em publicação técnica de 2020, teria indicado apenas que a
exibição de anúncios se baseia em uma combinação de fatores, incluindo sinais
de comportamento dentro e fora da plataforma.
Em síntese, o precedente holandes
(fevereiro de 2025) e francês (outubro de 2025) consolidam uma tendência
europeia de escrutínio sobre a entrega algorítmica de anúncios, na interseção
entre antidiscriminação, proteção de dados e governança de IA. A articulação
entre Diretivas da UE, DSA, GDPR e AI Act tende a orientar a atuação de
autoridades nacionais, ampliar a cooperação transfronteiriça e influenciar a
jurisprudência sobre vieses em sistemas de recomendação — sobretudo quando se
traduzem em barreiras de acesso a oportunidades de trabalho.
Acompanhe o E,M Tech New, seguindo os perfis do Elias, Matias Advogados no LinkedIn, Instagram e Facebook. O GT-IA e a área de Inovação e Startups do escritório compartilharão uma notícia atual sobre tecnologia e analisarão seus impactos jurídicos.
Fontes: Meta Rejects French Rights | Meta rejects rulling | Eu: European human right body
Avenida Paulista, 1842,16º andar • Conjunto 165 01310-200 – São Paulo/SP – Brasil
+55 (11) 3528-0707
Comentários/ 0