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Em matéria na Folha de S.Paulo, Eduardo Felipe Matias analisa as negociações climáticas internacionais

08 Novembro 2025/ Notícias & Artigos/

Da Rio-92 à COP30, entusiasmo deu lugar à pressão implacável de um planeta que aquece

Fernanda Mena

 

Nos 33 anos que separam a Cúpula do Clima, ocorrida no Rio de Janeiro, em 1992, e a COP30, que acontece agora em Belém do Pará, o debate sobre meio ambiente e as negociações climáticas mudaram na forma e no conteúdo, assim como mudou seu objeto: a estabilidade climática do planeta.

Nesta jornada, o entusiasmo que pautou a Rio-92 (também chamada de Eco-92) deu lugar à pressão implacável dos fatos.

As emissões de gases de efeito estufa continuam a aumentar. Os eventos climáticos extremos projetados para um futuro distante são realidade presente. E a crise do multilateralismo, hoje liderada pelos Estados Unidos de Donald Trump, atual segundo maior emissor de gases de efeito estufa do planeta (e maior emissor histórico), atrapalha ainda mais um processo marcado pela lentidão típica do modelo decisório consensual da ONU.

"O processo é lento, construído tijolo por tijolo ao longo dessas décadas. E hoje temos um momento geopolítico muito diferente de 1992", explica o doutor em direito internacional Eduardo Felipe Matias, autor do livro "A Humanidade Contra as Cordas" (Paz e Terra). "Desde a pandemia, passando pela Guerra da Ucrânia, os países começaram a se preocupar mais com a sua autossuficiência em detrimento da cooperação internacional", afirma.

A primeira ferramenta criada na busca por garantir a estabilidade do clima, o Protocolo de Kyoto, foi abandonada sem nunca ter sido totalmente implementada. Criado em 1997, ele estabeleceu o princípio das "responsabilidades comuns, mas diferenciadas" e dividiu os países em dois grupos.

O primeiro, composto por nações desenvolvidas e grandes emissoras, dos EUA ao bloco soviético, tinha de cortar emissões em 5,2%.

O segundo grupo, de países em desenvolvimento, estava dispensado, mas poderia contribuir para a redução de emissões por meio do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), que lançou as bases dos atuais mercados de carbono. Nele, países do grupo que precisava reduzir emissões comprava créditos produzidos por projetos em países do segundo grupo.

Sem a adesão dos Estados Unidos, que puxou para fora do acordo Austrália, Japão e Canadá, o protocolo sobreviveu respirando por aparelhos. A industrialização poluidora de países como China, Índia e Indonésia e o colapso da União Soviética bagunçaram a classificação inicial de Kyoto. Em 2015, ele foi substituído pelo Acordo de Paris.

O novo acordo estabeleceu a meta de manter o aumento da temperatura do planeta bem abaixo de 2°C e, idealmente, até 1,5°C a partir de metas nacionais chamadas NDCs —contribuições nacionalmente determinadas, na sigla em inglês— dos países-membros.

Elaborou também um mecanismo de financiamento da transição energética para longe dos combustíveis fósseis bancado pelos emissores históricos. Essa conta nunca foi paga de verdade e é objeto de disputa em todas as COP desde então.

"O Acordo de Paris traz essa inovação do ciclo de ambição das NDCs, mas é um desafio porque não está claro o papel da cooperação internacional. Tudo é discutido. Nada é punitivo. Mas se as NDCs não estão colocando a gente no caminho para 1,5°C, o que vamos fazer?", questiona Fernanda Carvalho, líder de políticas de clima e energia do WWF Internacional.

Neste cenário, sem sanção contra países que não criam novas NDCs mais ambiciosas nem contra os que não as cumprem, a esperança é de que a COP30 realize o "mutirão global" proposto presidência brasileira diante da urgência planetária.

"De acordo com algumas estimativas, o melhor que as NDCs atuais conseguem nos entregar é um mundo com um aumento de temperatura que varia entre 2,6°C e 2,8°C", aponta Juliano Assunção, diretor executivo do Climate Policy Initiative (CPI) no Brasil, sobre a baixa ambição dessas metas.

Para ele, é "muito frustrante" as negociações terem apontado para o afastamento dos combustíveis fósseis sem criar nenhum tipo de obrigação e cronograma já que são o setor que mais gera emissões.

"Isso não está alinhado com a essência do problema, que é reduzir as emissões em termos absolutos", diz. "E as COP têm um elemento mais formal de negociação que não tem sido capaz de entregar resultados tangíveis para o clima."

Para José Eli da Veiga, professor sênior do Instituto de Estudos Avançados da USP, o problema está num certo otimismo em relação aos instrumentos resultantes das negociações e seus objetivos.

"Imaginar que até 2050 seria possível zerar as emissões líquidas é muito otimismo porque a variável chave é nos afastarmos dos combustíveis fósseis. Mas o problema é que ninguém quer se afastar de um bom negócio", avalia.

"Enquanto países que lidam com o petróleo estiverem ganhando dinheiro, é difícil imaginar que vão abrir mão disso, o que é verdade inclusive no caso do Brasil", completa, em referência à autorização recente para pesquisa de petróleo na bacia Foz do Amazonas.

As projeções dos efeitos do aumento da temperatura sobre o planeta são baseadas nos relatórios periódicos do IPCC, o Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas, na sigla em inglês.

O comitê de cientistas criado em 1988 e encarregado de produzir avaliações periódicas do conhecimento existente sobre o assunto foi a instância que provocou a Rio-92 e que movimentou as 30 Conferências das Partes que ocorreram desde então ao evidenciar o agravamento da crise climática.

Foi o relatório 1 do IPCC que gerou o Protocolo de Kyoto. O relatório 3 mostrou que a mitigação não poderia ser feita só com os países de emissões históricas, mas com todos.

"O Brasil, por exemplo, não queria tratar de desmatamento nas convenções, mas o IPCC disse que era importante", ilustra Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, que atua no campo das políticas climáticas.

"Se não existisse esse mecanismo de revisão da ciência para nos informar sobre as descobertas e o que precisamos dar como resposta a elas, o problema seria ainda mais grave", avalia ela.

Enquanto as negociações se movimentam mais lentamente, atores não estatais emergiram como protagonistas de mudanças objetivas e céleres.

A sociedade civil organizada, atores privados e o setor financeiros, que operam fora da chamada zona azul, a área de acesso restrito em que ocorrem os encontros de chefes de Estado e negociadores, tomaram decisões sobre investimentos em tecnologia e energias renováveis sem os quais a situação do clima estaria pior.

Para Unterstell, a entrada desses atores tem a ver com a mudança que o conceito de adaptação sofreu ao longo dessa jornada das negociações do clima. "Até 2014, adaptação era uma questão de redução de vulnerabilidades e de combate à pobreza. Mas o IPCC apontou que a questão era de risco e que isso envolvia todo mundo, de todas as classes e todos os setores em algum grau.".

Com isso, o setor financeiro entrou nas discussões sobre os riscos climáticos e seu impacto potencial na economia, aumentando a implicação das corporações na busca por soluções. "Sem o setor privado não vai ser possível enfrentar as mudanças climáticas", afirma Eduardo Felipe Matias.

Ele aponta para outra adequação histórica à falta de velocidade das negociações: o surgimento de novos conceitos. "Hoje, além de mitigação e adaptação, também se fala em perdas e danos", ressalta. Ideias de transição energética justa também despontaram a partir da compreensão de que os danos e oportunidades já estão na praça, mas se distribuem de forma desigual.

 

Matéria publicada originalmente no jornal Folha de S.Paulo em 8 de novembro de 2025: Da Rio-92 à COP30, ânimo deu lugar a choque de realidade - 08/11/2025 - Ambiente - Folha



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