Comissão Europeia apresentou, em
novembro de 2025, o chamado Digital Omnibus, um pacote de ajustes que pretende
simplificar a aplicação de diversas leis digitais do bloco, mas que vem gerando
intenso debate sobre um possível recuo nas regras de inteligência artificial e
proteção de dados. No centro da controvérsia estão o adiamento das obrigações
para sistemas de IA de “alto risco”, previstas na AI Act, e mudanças pontuais
no Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) e na e-Privacy Directive, que
facilitam determinados usos de dados – inclusive pessoais – para o treino de modelos
de IA, ao mesmo tempo em que buscam reduzir a burocracia em torno de cookies.
No âmbito da AI Act, o Digital
Omnibus propõe adiar para dezembro de 2027 a plena aplicação das obrigações
para sistemas considerados de alto risco, originalmente previstas para agosto
de 2026. Nessa categoria estão aplicações sensíveis como análise de currículos
em processos seletivos, correção de exames, concessão de crédito, tarifação de
seguros, uso de biometria, gestão de tráfego, fornecimento de utilidades
essenciais, serviços de saúde e atividades de segurança pública. Em termos
práticos, modelos que influenciam o acesso a emprego, educação, crédito e
atendimento em saúde terão mais tempo antes de se submeterem integralmente às
exigências de governança, transparência, gestão de risco e avaliação de impacto
previstas no AI Act.
A Comissão justifica o movimento,
de um lado, pela necessidade de dar fôlego a empresas – sobretudo startups e
pequenos negócios – para se adaptarem a um marco regulatório complexo e em
construção. De outro, reconhece que muitos Estados membros não cumpriram os
prazos para designar autoridades competentes e estruturar os organismos de
avaliação de conformidade exigidos pelo próprio AI Act, o que, na prática,
dificulta a plena operacionalização do regime no cronograma originalmente
previsto. Críticos apontam que essa dificuldade institucional interna estaria
sendo convertida em argumento para postergar regras concebidas justamente para
mitigar riscos em domínios de alto impacto social.
Paralelamente, o pacote altera um
dos pilares da estratégia digital europeia: o regulamento geral de proteção de
dados (GDPR). As propostas procuram clarificar quando dados deixam de ser
considerados “pessoais”, o que tende a facilitar o uso e o compartilhamento de
bases anonimizadas ou pseudonimizadas. Ao mesmo tempo, abrem espaço mais
explícito para que empresas como Google, Meta, OpenAI e outras utilizem dados
pessoais de cidadãos europeus para treinar modelos de IA, desde que observados
os demais requisitos do regulamento, como base legal adequada, respeito aos
direitos dos titulares, medidas de segurança e minimização de dados.
Hoje, boa parte desses usos é
discutida caso a caso com autoridades de proteção de dados, em um ambiente de
incerteza jurídica. Com o Digital Omnibus, a Comissão busca enviar um sinal
regulatório mais claro de que o treino de modelos com dados pessoais pode ser
admitido, desde que inserido nas salvaguardas do GDPR. Organizações de defesa
de direitos, contudo, veem nisso um movimento estrutural: o que antes era
tratado com maior cautela passaria a se aproximar de uma nova normalidade
regulatória, com riscos de ampliação do tratamento de dados em escala,
inclusive para inferências sensíveis relacionadas a crédito, saúde, perfil
econômico e comportamento de consumo.
Outro eixo relevante de
alteração, perceptível para o usuário final, é a simplificação das regras de
cookies. O objetivo declarado é reduzir a saturação de banners de
consentimento, dispensando pop-ups para cookies considerados de baixo risco e
permitindo que preferências sejam geridas de forma centralizada no navegador,
com efeitos replicados para os sites em geral. A intenção é diminuir o atrito
regulatório e melhorar a experiência do usuário sem, em tese, sacrificar a
proteção. Na prática, a fronteira entre simplificação operacional e
enfraquecimento de garantias de privacidade é um dos principais pontos de
disputa entre defensoras e críticos do pacote.
Do ponto de vista oficial, a
mensagem é que se trata de simplificação, não de desregulação. A Comissão
sustenta que empresas europeias estariam em desvantagem competitiva diante de
players norte-americanos e chineses na corrida por IA e semicondutores, em
parte devido a camadas sucessivas de obrigações formais. O Digital Omnibus
também contempla medidas de redução de “red tape”, como a simplificação de
obrigações documentais para negócios menores, procedimentos unificados de
reporte de incidentes de cibersegurança e o reforço do papel do AI Office como
instância central de supervisão e coordenação.
A reação é bastante dividida.
Associações empresariais, grandes fornecedores de tecnologia e grupos de lobby
ligados às Big Tech veem o pacote como um passo na direção correta, embora
insuficiente, e defendem ajustes adicionais – como rever os limiares de “risco
sistêmico” e aperfeiçoar regras de direitos autorais aplicáveis ao treino de
IA. Já organizações de defesa do consumidor, ativistas de privacidade e parte
expressiva do Parlamento Europeu enxergam a iniciativa como um dos principais
recuos em direitos digitais na história da União.
Para esses críticos, sob o
discurso de simplificação o bloco abriria espaço para uso massivo de dados
pessoais em algoritmos que influenciam crédito, seguros, emprego, consumo e
outras áreas essenciais, muitas vezes sem transparência ou possibilidade efetiva
de contestação. Cartas abertas, campanhas públicas em Bruxelas e manifestações
de eurodeputados reforçam a percepção de que o Omnibus responde à pressão
combinada de grandes empresas de tecnologia e do governo norte-americano,
alimentando o temor de que, em nome da competitividade, se reduzam garantias de
privacidade, transparência e não discriminação.
Para as empresas, o recado é
ambivalente. De um lado, o pacote sinaliza mais tempo para adequação e alguma
flexibilização em temas sensíveis, como o treino de modelos com dados pessoais
e a simplificação de obrigações formais. De outro, o próprio debate em torno do
Digital Omnibus tende a intensificar o escrutínio regulatório, reputacional e
judicial sobre o uso de IA em contextos de alto impacto, especialmente quando
decisões automatizadas afetam acesso a crédito, emprego, saúde, educação ou
serviços essenciais. Ainda que a entrada em vigor de certas obrigações seja
adiada, autoridades, sociedade civil e imprensa já observam com atenção
questões como vieses, opacidade de modelos e assimetrias de poder informacional
entre plataformas, empresas usuárias e indivíduos.
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Fontes EU to delay after big tech pushback | Europ eis scaling back its landmark provacy and al laws | EU to delay rules until 2027 alter big tech pushback | European Commission proposes delaying full implementation of al act to 2027.
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