A relação entre Google e
reguladores europeus entrou em uma nova fase de tensão. Ao mesmo tempo em que a
companhia acelera a integração de inteligência artificial generativa aos seus
produtos de busca e publicidade, enfrenta uma combinação de investigações
antitruste, multas bilionárias e reações políticas, com potencial de impacto
relevante sobre publishers, anunciantes e a própria arquitetura do mercado
digital.
O movimento mais recente vem de
uma queixa apresentada ao braço de concorrência da Comissão Europeia por um
grupo de veículos representados pela Independent Publishers Alliance, com apoio
de entidades como o Movement for an Open Web e a organização britânica Foxglove
Legal. O alvo é o AI Overviews, funcionalidade que gera resumos em linguagem
natural e os exibe no topo da página de resultados, acima dos links
tradicionais. Para os publishers, trata-se de um uso indevido de seu conteúdo
para produzir respostas que reduzem cliques, audiência e receita, sem opção
realista de exclusão.
O ponto central da queixa é
concorrencial: segundo as entidades, o Google estaria abusando de sua posição
dominante em busca ao posicionar os AI Overviews em destaque, utilizando
material produzido por terceiros para alimentar o próprio serviço, com efeito
de desviar tráfego dos sites de origem. Publicadores que dependem de aparecer
nos resultados de busca não teriam como impedir que seu conteúdo seja rastreado
e utilizado para gerar esses resumos – nem para treino dos modelos de IA – sem,
ao mesmo tempo, desaparecerem dos resultados orgânicos. Na visão dos
reclamantes, isso cria um mecanismo de “sem saída” incompatível com a
disciplina antitruste europeia.
A queixa pede, inclusive, medidas
cautelares para evitar dano irreparável à concorrência e ao acesso a notícias,
argumentando que o modelo de negócios de veículos independentes já se encontra
sob forte pressão e que uma queda adicional de tráfego induzida pelos AI
Overviews pode ser suficiente para inviabilizar operações. Autoridades de
concorrência no Reino Unido também confirmaram o recebimento de reclamação
semelhante, indicando que o tema tende a ser tratado em mais de uma jurisdição.
O Google, por sua vez, alega que continua enviando bilhões de cliques por dia a
sites e que as novas experiências com IA na busca abririam “novas
oportunidades” para que conteúdos e negócios sejam descobertos.
Paralelamente, a companhia
enfrenta uma frente antitruste mais tradicional, mas não menos relevante. Em
setembro de 2025, a Comissão Europeia aplicou ao Google uma multa de
aproximadamente € 2,95 bilhões por abuso de posição dominante no mercado de ad
tech, acusando a empresa de favorecer seus próprios serviços de tecnologia de
publicidade em detrimento de rivais, publishers e outros intermediários. O caso
se soma a uma série de penalidades impostas ao longo da última década e reforça
o entendimento de que a integração vertical da cadeia de publicidade digital –
do lado do anunciante ao inventário do publisher, passando pelos sistemas de
leilão – pode gerar conflitos de interesse incompatíveis com as regras de
concorrência da UE.
No processo, a Comissão concluiu
que o Google utilizou seu poder em diferentes camadas do ecossistema de
publicidade programática para privilegiar suas soluções, prejudicando a
contestabilidade do mercado. Embora, em fases anteriores, autoridades europeias
tenham sinalizado que apenas a cisão de partes do negócio de ad tech poderia
resolver o problema, a decisão final combinou uma multa bilionária com ordens
para que a companhia encerre práticas de auto-preferência e apresente medidas
concretas para mitigar conflitos de interesse ao longo da cadeia. A empresa
classificou a decisão como equivocada e já anunciou que irá recorrer,
sustentando que não há comportamento anticompetitivo em fornecer serviços tanto
para compradores quanto para vendedores de anúncios.
Em conjunto, a queixa sobre o AI
Overviews e a multa no mercado de ad tech reforçam uma tendência de longo
prazo: a União Europeia usa, de forma integrada, instrumentos de concorrência,
privacidade e regulação de plataformas para reequilibrar o poder entre grandes
intermediários digitais e o restante do ecossistema. A novidade agora é que a
fronteira entre busca, IA generativa e publicidade se torna cada vez mais
porosa. Quando um resumo de IA responde diretamente à pergunta do usuário,
reduzindo a necessidade de clicar em links externos, a discussão deixa de ser
apenas sobre SEO ou redução de tráfego e passa a envolver a própria
sustentabilidade econômica do jornalismo independente e de outros produtores de
conteúdo.
Para publishers e anunciantes,
especialmente os de menor porte, o cenário é desafiador. De um lado, há
evidente dependência das ferramentas de busca e da infraestrutura de
publicidade do Google para alcançar público e monetizar inventário. De outro,
cresce o risco de que mudanças unilaterais em produtos – como a introdução de
AI Overviews – alterem drasticamente a distribuição de tráfego e receita, sem
contrapartidas claras em termos de remuneração, governança ou possibilidade de
opt-out significativo. As respostas regulatórias na Europa podem abrir espaço
para novas obrigações de transparência, mecanismos de escolha e, eventualmente,
modelos de compensação pelo uso de conteúdo em respostas de IA generativa.
Para empresas brasileiras que
dependem fortemente do ecossistema Google – seja como produtoras de conteúdo,
seja como anunciantes ou intermediárias em publicidade digital –, esses
movimentos merecem acompanhamento atento. Organizações que atuam no mercado
europeu, ou que tratam dados de cidadãos europeus, estão sujeitas diretamente à
disciplina da UE em matéria de concorrência, proteção de dados e regulação de
plataformas. Mas mesmo quem opera predominantemente no Brasil pode sentir
efeitos indiretos, seja por mudanças globais nas políticas do Google em
resposta a decisões europeias, seja pela possibilidade de que discussões
semelhantes ganhem tração junto a autoridades brasileiras, como o CADE e a
ANPD, especialmente em temas que cruzam concorrência, proteção de dados e
governança algorítmica.
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Facebook. O GT-IA e a área de Inovação e Startups do escritório compartilharão
uma notícia atual sobre tecnologia e analisarão seus impactos jurídicos.
Fontes: Exclusive:
Googlés AI Overviews hot by | Trumo
threatens EU with tarif
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