Eduardo Felipe Matias
Eduardo FelipeMatias é autor dos livros A humanidade e suas fronteiras e A humanidade contraas cordas, ganhadores do Prêmio Jabuti e coordenador do livro Marco Legal dasStartups. Doutor em Direito Internacional pela USP, foi visiting scholar nasuniversidades de Columbia, em NY, e Berkeley e Stanford, na California, e éprofessor convidado da Fundação Dom Cabral e sócio da área empresarial deElias, Matias Advogados
Surgem as primeiras evidências de que o avanço da inteligência artificial generativa impacta o mercado de trabalho e atinge, de forma desproporcional, quem está no início da carreira. No artigo “Canaries in the Coal Mine? Six Facts about the Recent Employment Effects of Artificial Intelligence”, Erik Brynjolfsson, Bharat Chandar e Ruyu Chen, da Universidade Stanford, analisam dados da maior provedora de softwares de folhas de pagamento dos EUA – registros mensais e individuais de milhões de trabalhadores, em dezenas de milhares de empresas, até julho de 2025. Os autores concluem que, com capacidades crescentes e adoção disseminada, a IA começa a substituir o trabalho humano entre os mais jovens em ocupações altamente expostas, como engenharia de software e atendimento ao cliente.
Desde o fim de 2022 – o que coincide, vale
lembrar, com o lançamento do ChatGPT – até julho de 2025, no conjunto de
ocupações mais expostas, trabalhadores de 22 a 25 anos registraram queda de
cerca de 6% no emprego, enquanto, nessas mesmas funções, os de 35 a 49 anos tiveram
aumento de 9%. Entre desenvolvedores de software de 22 a 25 anos, por exemplo,
a retração desde o pico do fim de 2022 foi ainda mais acentuada e se aproxima
de 20%. Já categorias menos expostas – como auxiliares de enfermagem e cuidadores
domiciliares – exibem o padrão oposto, com o emprego crescendo mais rápido
entre os jovens do que entre os mais velhos.
Na mineração, os canários alertavam com
antecedência para gases tóxicos. Se paravam de cantar, havia perigo. Aqui,
ocupações e faixas etárias que sofrem as consequências antes das demais
sinalizam efeitos mais amplos da IA sobre o mercado de trabalho se nada for
feito.
A pesquisa sugere por que os jovens são os
primeiros afetados. Por seu modo de treinamento, a IA substitui melhor o
conhecimento “de manual”, base da educação formal, do que o conhecimento tácito
– atalhos e julgamentos acumulados com a experiência. Trabalhadores mais
velhos, com mais bagagem tácita, tendem a sofrer menos substituição no curto
prazo. Esse processo tende a gerar uma migração de atividades em retração para
áreas em expansão. Já há sinais desse movimento, como mudanças nas escolhas
universitárias – diminuição no interesse por áreas mais expostas, como ciência
da computação – e realocações internas nas empresas.
Depois dos canários, quais seriam os próximos
afetados? Em “We Won’t be Missed: Work and Growth in the AGI World”, Pascual
Restrepo, professor na Universidade Yale, amplia o foco da análise e explora as
implicações de longo prazo da inteligência artificial geral (AGI), definida
como o progresso algorítmico que torna viável realizar, por computação, todo o trabalho
economicamente valioso.
Com recursos computacionais suficientes, “tarefas
gargalo” – essenciais para o crescimento econômico – seriam totalmente
automatizadas, enquanto o trabalho classificado como “suplementar” poderia
seguir com humanos, sob certas condições. Sem AGI, habilidades humanas são
essenciais e os salários refletem a escassez nessas tarefas consideradas gargalo.
Em um mundo com AGI, a computação ocupa o centro e os salários se ancoram no
custo computacional de replicar uma habilidade. Quem atua em gargalos recebe,
no limite, apenas o equivalente à economia de computação. A participação do
trabalho na economia tende a cair e, com o tempo, a renda se concentra em quem
controla a computação. O outro lado da moeda é que o trabalho suplementar pode
sobreviver, já que atividades intensivas em interação social – como
hospitalidade e entretenimento – são custosas de replicar computacionalmente e
tendem a permanecer em mãos humanas por mais tempo.
Nas empresas, duas estratégias se impõem. A
primeira é proteger e acelerar a escada de aprendizagem. Se o conhecimento
codificado é justamente o que a IA absorve melhor, os primeiros anos de
carreira ficam mais vulneráveis. Convém redesenhar funções para que
profissionais juniores gastem menos tempo em tarefas automatizáveis e, desde
cedo, lidem com problemas práticos ao lado de colegas mais experientes. A
segunda é construir uma governança de IA que garanta não só que os sistemas
funcionem com transparência e precisão, mas também a adoção de métricas que
distingam quando a aplicação complementa pessoas e quando as substitui,
privilegiando a primeira, e distribua os ganhos gerados pelo aumento de
produtividade
Nada disso pede pessimismo, embora haja alertas, como
indicam os dois estudos. As pessoas continuarão trabalhando, o emprego agregado
pode se recompor e os salários médios não precisam cair. Porém, a composição do
trabalho pode mudar mais rápido do que a realocação de pessoas, gerando perdas imediatas
para quem teve suas tarefas automatizadas. Os dados analisados não mostram um colapso
generalizado, mas indicam que os primeiros ajustes recaem sobre os mais jovens,
quando a IA substitui tarefas, enquanto usos que aumentam as nossas capacidades
podem sustentar contratações. O advento da AGI tampouco torna o trabalho humano
“inútil”, e sim redefine seu valor pelo que não se replica barato com
computação – criatividade, discernimento, coordenação, relacionamento com
clientes, entre outras habilidades.
Cabe às empresas preservar os degraus de entrada
em diferentes ocupações e investir em capacitação para formar seus futuros
líderes – sem os quais a continuidade do negócio se verá ameaçada –, garantindo
que os canários sobrevivam e prosperem, em vez de servirem apenas para anunciar
um desastre maior.
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