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Impactos da IA sobre o trabalho e a renda já são notados

01 Outubro 2025/ Notícias & Artigos/

Eduardo Felipe Matias 

Eduardo FelipeMatias é autor dos livros A humanidade e suas fronteiras e A humanidade contraas cordas, ganhadores do Prêmio Jabuti e coordenador do livro Marco Legal dasStartups. Doutor em Direito Internacional pela USP, foi visiting scholar nasuniversidades de Columbia, em NY, e Berkeley e Stanford, na California, e éprofessor convidado da Fundação Dom Cabral e sócio da área empresarial deElias, Matias Advogados 


Surgem as primeiras evidências de que o avanço da inteligência artificial generativa impacta o mercado de trabalho e atinge, de forma desproporcional, quem está no início da carreira. No artigo “Canaries in the Coal Mine? Six Facts about the Recent Employment Effects of Artificial Intelligence”, Erik Brynjolfsson, Bharat Chandar e Ruyu Chen, da Universidade Stanford, analisam dados da maior provedora de softwares de folhas de pagamento dos EUA – registros mensais e individuais de milhões de trabalhadores, em dezenas de milhares de empresas, até julho de 2025. Os autores concluem que, com capacidades crescentes e adoção disseminada, a IA começa a substituir o trabalho humano entre os mais jovens em ocupações altamente expostas, como engenharia de software e atendimento ao cliente.

Desde o fim de 2022 – o que coincide, vale lembrar, com o lançamento do ChatGPT – até julho de 2025, no conjunto de ocupações mais expostas, trabalhadores de 22 a 25 anos registraram queda de cerca de 6% no emprego, enquanto, nessas mesmas funções, os de 35 a 49 anos tiveram aumento de 9%. Entre desenvolvedores de software de 22 a 25 anos, por exemplo, a retração desde o pico do fim de 2022 foi ainda mais acentuada e se aproxima de 20%. Já categorias menos expostas – como auxiliares de enfermagem e cuidadores domiciliares – exibem o padrão oposto, com o emprego crescendo mais rápido entre os jovens do que entre os mais velhos.

Na mineração, os canários alertavam com antecedência para gases tóxicos. Se paravam de cantar, havia perigo. Aqui, ocupações e faixas etárias que sofrem as consequências antes das demais sinalizam efeitos mais amplos da IA sobre o mercado de trabalho se nada for feito.

A pesquisa sugere por que os jovens são os primeiros afetados. Por seu modo de treinamento, a IA substitui melhor o conhecimento “de manual”, base da educação formal, do que o conhecimento tácito – atalhos e julgamentos acumulados com a experiência. Trabalhadores mais velhos, com mais bagagem tácita, tendem a sofrer menos substituição no curto prazo. Esse processo tende a gerar uma migração de atividades em retração para áreas em expansão. Já há sinais desse movimento, como mudanças nas escolhas universitárias – diminuição no interesse por áreas mais expostas, como ciência da computação – e realocações internas nas empresas.

Depois dos canários, quais seriam os próximos afetados? Em “We Won’t be Missed: Work and Growth in the AGI World”, Pascual Restrepo, professor na Universidade Yale, amplia o foco da análise e explora as implicações de longo prazo da inteligência artificial geral (AGI), definida como o progresso algorítmico que torna viável realizar, por computação, todo o trabalho economicamente valioso.

Com recursos computacionais suficientes, “tarefas gargalo” – essenciais para o crescimento econômico – seriam totalmente automatizadas, enquanto o trabalho classificado como “suplementar” poderia seguir com humanos, sob certas condições. Sem AGI, habilidades humanas são essenciais e os salários refletem a escassez nessas tarefas consideradas gargalo. Em um mundo com AGI, a computação ocupa o centro e os salários se ancoram no custo computacional de replicar uma habilidade. Quem atua em gargalos recebe, no limite, apenas o equivalente à economia de computação. A participação do trabalho na economia tende a cair e, com o tempo, a renda se concentra em quem controla a computação. O outro lado da moeda é que o trabalho suplementar pode sobreviver, já que atividades intensivas em interação social – como hospitalidade e entretenimento – são custosas de replicar computacionalmente e tendem a permanecer em mãos humanas por mais tempo.

Nas empresas, duas estratégias se impõem. A primeira é proteger e acelerar a escada de aprendizagem. Se o conhecimento codificado é justamente o que a IA absorve melhor, os primeiros anos de carreira ficam mais vulneráveis. Convém redesenhar funções para que profissionais juniores gastem menos tempo em tarefas automatizáveis e, desde cedo, lidem com problemas práticos ao lado de colegas mais experientes. A segunda é construir uma governança de IA que garanta não só que os sistemas funcionem com transparência e precisão, mas também a adoção de métricas que distingam quando a aplicação complementa pessoas e quando as substitui, privilegiando a primeira, e distribua os ganhos gerados pelo aumento de produtividade

Nada disso pede pessimismo, embora haja alertas, como indicam os dois estudos. As pessoas continuarão trabalhando, o emprego agregado pode se recompor e os salários médios não precisam cair. Porém, a composição do trabalho pode mudar mais rápido do que a realocação de pessoas, gerando perdas imediatas para quem teve suas tarefas automatizadas. Os dados analisados não mostram um colapso generalizado, mas indicam que os primeiros ajustes recaem sobre os mais jovens, quando a IA substitui tarefas, enquanto usos que aumentam as nossas capacidades podem sustentar contratações. O advento da AGI tampouco torna o trabalho humano “inútil”, e sim redefine seu valor pelo que não se replica barato com computação – criatividade, discernimento, coordenação, relacionamento com clientes, entre outras habilidades.

Cabe às empresas preservar os degraus de entrada em diferentes ocupações e investir em capacitação para formar seus futuros líderes – sem os quais a continuidade do negócio se verá ameaçada –, garantindo que os canários sobrevivam e prosperem, em vez de servirem apenas para anunciar um desastre maior.

 

Artigo publicado originalmente no Estadão/Broadcast em outubro/2025.



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