Carregando...

Publicações

A possível bolha da IA: mais subprime do que pontocom?

18 Dezembro 2025/ Notícias & Artigos/

Eduardo Felipe Matias – A possível bolha da IA: mais subprime do que pontocom?

Eduardo Felipe Matias é autor dos livros A humanidade e suas fronteiras e A humanidade contra as cordas, ganhadores do Prêmio Jabuti e coordenador do livro Marco Legal das Startups. Doutor em Direito Internacional pela USP, foi visiting scholar nas universidades de Columbia, em NY, e Berkeley e Stanford, na California, e é professor convidado da Fundação Dom Cabral e sócio da área empresarial de Elias, Matias Advogados

 

A possibilidade de que o boom da IA seja uma bolha financeira vem sendo amplamente debatida. Se ela for real e estourar, o cenário tende a se parecer menos com o da bolha pontocom de 2000/2001 e mais com a crise do subprime de 2007/2008.

Na primeira, o problema principal foi a supervalorização de ações de empresas de tecnologia criadas para explorar a internet. Na segunda – que analisei junto à crise ambiental em meu livro “A humanidade contra as cordas” –, ruiu uma arquitetura financeira inteira, construída sobre dívidas arriscadas vendidas como seguras.

A hipótese que vem sendo discutida é a de que o perigo atual não estaria apenas no hype em torno de algoritmos, mas na forma de financiamento da infraestrutura de IA. Data centers, chips e redes de energia estão sendo erguidos com base em dívidas, bonds e crédito estruturado – uma combinação de alavancagem, opacidade e concentração que lembra o enredo da crise financeira global do subprime. Nos anos que a antecederam, o mercado imobiliário americano virou o motor de uma imensa engrenagem de crédito. Bancos concediam hipotecas arriscadas, muitas vezes a famílias sem condições de pagar, e empacotavam os empréstimos em títulos vendidos mundo afora. Pareciam investimentos sólidos, apoiados na crença de que os preços dos imóveis não cairiam no agregado. Quando estes recuaram, a inadimplência se espalhou, os títulos perderam valor e ficou claro que o risco estava alavancado e escondido sob camadas de engenharia financeira.

Hoje, trocando casas por data centers e hipotecas por chips, algo semelhante começa a se formar no ecossistema de IA. Um pequeno grupo de gigantes tecnológicos, como Microsoft, Google, Meta, Amazon e Nvidia, lidera uma onda de investimentos bilionários em prédios, energia, sistemas de resfriamento e estoques de processadores. Abaixo deles, empresas de infraestrutura como CoreWeave e Crusoe assinam contratos de longo prazo, de dezenas de bilhões de dólares, para fornecer capacidade de computação e usam essas promessas de receita para levantar linhas bilionárias de crédito, muitas vezes lastreadas nos próprios data centers e equipamentos. Em muitos casos, se o projeto fracassar, o credor tem essas garantias.

Diferente de imóveis, entretanto, chips perdem valor rapidamente. Cada nova geração de GPUs torna a anterior obsoleta, o que faz com que muito do que está sendo construído possa valer pouco antes do vencimento da dívida. Essa dependência de equipamentos caros e de vida útil curta desloca parte relevante do risco para o crédito, não apenas para o mercado acionário.

Na bolha pontocom – centrada na supervalorização de empresas de internet recém-listadas em bolsa – a maior parte das perdas recaiu sobre investidores de ações, como fundos e pessoas físicas, que viram posições evaporar quando a Nasdaq desabou. O sistema financeiro, embora abalado, permaneceu de pé. Agora, os credores – bancos, seguradoras e fundos de crédito – podem ficar com a conta, o que aproxima a situação do roteiro do subprime.

Características do ecossistema de IA adicionam camadas de incerteza. Seus principais atores se conectam por uma teia de relações comerciais e financeiras – como ilustram potenciais acordos circulares anunciados ou em negociação entre OpenAI, Oracle e Nvidia para fornecimento de computação em nuvem, compra de chips e aporte de capital – o que poderia ampliar o risco de contágio. Além disso, a dívida ligada a data centers não está apenas em grandes bancos, mas espalhada por fundos de crédito privado, seguradoras, bancos médios e empresas de infraestrutura. Se, à primeira vista, isso dilui o risco, na prática, torna-o invisível. Ninguém sabe exatamente quem está exposto, e uma sequência de inadimplências pode gerar uma reação em cadeia, como em 2008, quando produtos tidos como seguros se revelaram tóxicos.

Outra semelhança é que, assim como na crise imobiliária se acreditava que o valor dos imóveis não cairia, hoje prevalece a narrativa da demanda infinita por IA e da ideia de que esta irá revolucionar a economia. Essa convicção alimenta o “medo de ficar de fora” e a pressa de surfar nessa onda. Fundos e empresas assumem riscos crescentes, convencidos de que financiam um destino inevitável. Como no subprime, a promessa de um futuro brilhante serve para justificar a alavancagem do presente.

Um desfecho semelhante ao de 2008 seria mais sombrio que o do estouro da bolha pontocom. No episódio das empresas de internet, houve desvalorização daquelas que estavam superestimadas, perdas concentradas em investidores e algumas falências, sem colapso financeiro. O excesso de infraestrutura de IA pode até se mostrar útil adiante, como aconteceu com os cabos de fibra óptica dos anos 1990. Já em uma crise ligada ao crédito, empresas de nuvem, fabricantes de chips e operadores de data centers teriam financiado capacidade muito acima da demanda real. Se as receitas não cobrirem as dívidas, surgirão dificuldades de refinanciamento, violações contratuais e perdas para credores, fundos e bancos expostos. Com tantos vínculos entre poucos gigantes tecnológicos, basta um deles balançar para contaminar o restante.

Assim, o modelo de financiamento que está se desenhando pode ecoar, em menor escala, a crise do subprime. Em vez de hipotecas sobre imóveis, as garantias são data centers e chips, e a lógica segue parecida – tomar muita dívida hoje apostando que o futuro será sempre melhor. Se a aposta se confirmar e o boom se mostrar uma realidade, o excesso de investimento poderá ser absorvido e reaproveitado. Se não, o estouro de uma eventual bolha da IA tende a ir além de um simples ajuste em ações de tecnologia e se tornar um novo teste para a resiliência do sistema financeiro.


Artigo publicado originalmente no Estadão/Broadcast em dezembro/2025.



Publicações relacionadas


Comentários/ 0


DEIXE SEU COMENTÁRIO

Por Advogado
Por data

RECEBA NOSSAS NEWSLETTERS