O
avanço da IA generativa tem elevado o consumo de energia e recursos naturais,
colocando os data centers no centro do debate ambiental, econômico e geopolítico
Você
fechou a torneira enquanto escovava os dentes hoje? Lembrou de apagar a luz ao
sair do quarto? Nos últimos anos, práticas cotidianas relacionadas à
sustentabilidade passaram a dividir espaço com uma nova preocupação: o uso
consciente de ferramentas de IA generativa.
Uma
única consulta ao ChatGPT pode consumir até dez vezes mais eletricidade que uma
busca comum na web. Estimativas indicam que redigir um e-mail de cem palavras
com IA consome energia equivalente à de 14 lâmpadas LED acesas por uma hora. Gerar
uma imagem pode demandar até sessenta vezes mais, o que se agrava com a
popularização da criação visual, impulsionada por modas virais como filtros
inspirados no Studio Ghibli ou na Turma da Mônica. Repetidas centenas de
milhões de vezes, essas solicitações disparam o consumo energético. Sam Altman,
CEO da OpenAI, já estimou que apenas processar expressões de cortesia como “por
favor” e “obrigado” pode custar dezenas de milhões de dólares por ano em
eletricidade.
O
impacto de certos modelos de linguagem vai, inclusive, além de seu uso – seu
treinamento pode consumir de sete a oito vezes mais energia do que tarefas
computacionais convencionais.
O
emprego da IA generativa explodiu tanto entre usuários domésticos quanto entre
as empresas. Em 2024, segundo dados da McKinsey, 65% delas se valiam
regularmente dessas ferramentas – o dobro do registrado no ano anterior. Esse
avanço depende de uma infraestrutura robusta de data centers que, embora
existam desde pelo menos 1945 – quando o ENIAC ocupava uma sala inteira na
Universidade da Pensilvânia –, passaram por uma transformação significativa nos
últimos anos. Além de se multiplicarem em ritmo acelerado, esses centros
evoluíram tecnicamente e hoje são verdadeiras “fazendas de dados” equipadas com
placas gráficas (GPUs) que consomem até quatro vezes mais energia que
processadores tradicionais.
A
relação entre a expansão dos data centers e o aumento do consumo elétrico é
direta. Atualmente, esses centros utilizam 415 terawatt-hora por ano, o que equivale
a 1,5% da energia global – mais que a Arábia Saudita – e a previsão é que esse
número alcance 945 TWh até 2030, aproximando-se do total consumido pelo Japão.
Essa
intensa demanda energética também eleva o gasto de água. A principal tecnologia
de resfriamento emprega água doce, que evapora ao retirar o calor dos
servidores – um processo que consome, em média, 1,8 litro por kWh.
Pesquisadores da Universidade da Califórnia calcularam que entre 20 e 50
consultas ao GPT-3 bastariam para evaporar meio litro de água. Com os atuais
400 milhões de usuários semanais do ChatGPT, em apenas sete dias evaporariam 200
milhões de litros – o suficiente para abastecer, por um dia, uma cidade de
médio porte. Em 2022, Google, Microsoft e Meta retiraram da natureza cerca de
2,2 bilhões de metros cúbicos de água, considerando seus data centers e as usinas
que geram sua eletricidade. Isso equivale ao dobro do consumo anual de água da
Dinamarca.
Além
das pressões ambientais, a corrida por data centers envolve aspectos econômicos
e geopolíticos. Hospedar essa infraestrutura pode gerar empregos, aumentar a
arrecadação e, principalmente, assegurar que dados e sistemas estratégicos
permaneçam em território nacional, reforçando a soberania digital. Alguns
países já perceberam que, para atrair essa indústria, é preciso considerar os impactos
dos data centers sobre os recursos naturais.
É
o caso do Brasil, onde quase dois terços das atividades digitais – como uso de
aplicativos, armazenamento e processamento de dados – são realizados no
exterior, em locais onde os custos são até 40% menores, como Oregon, Virgínia
ou Texas. Para reverter esse cenário, o governo quer promover o País como um
destino competitivo e sustentável, destacando sua matriz elétrica
majoritariamente renovável – com 89% de origem limpa, principalmente
hidrelétrica. Com esse propósito, apresentou o Plano Nacional de Data Centers
(ReData), que pretende atrair R$ 2 trilhões em investimentos na próxima década,
com isenção de impostos sobre equipamentos importados e medidas para desonerar
a cadeia produtiva nacional.
Apesar
do potencial econômico, a iniciativa causa receios – especialmente quanto à
segurança hídrica. O treinamento de uma versão do GPT em Iowa, por exemplo, utilizou
41 milhões de litros de água em apenas um mês – o equivalente a 6% da média mensal
do distrito. Na região conhecida como “corredor de data centers”, na Virgínia, a
demanda de água aumentou 64% entre 2019 e 2023. Situações como essas acendem um
alerta também no Brasil, que em 2024 enfrentou uma seca histórica e precisou
acionar termelétricas fósseis – prova de que nem mesmo um país com abundância
de rios está imune ao risco de escassez de água.
Há,
contudo, soluções técnicas em desenvolvimento para mitigar o problema. Avançam
as pesquisas sobre resfriamento com líquidos reciclados, reaproveitamento do
calor gerado e uso de fontes industriais em vez de água potável. A adoção de
energia renovável – especialmente a solar – também pode contribuir. Além disso,
a própria IA pode se tornar uma aliada da sustentabilidade ao melhorar a
eficiência dos algoritmos – como fez a empresa chinesa Deepseek, que reduziu
significativamente o consumo energético durante o treinamento de seu modelo graças
a uma técnica chamada destilação.
A
pegada ecológica da IA tem atraído cada vez mais atenção pública. Na corrida
por data centers, vantagem competitiva e preservação ambiental são inseparáveis,
e ignorar uma dessas dimensões pode afastar investidores e sair bem mais caro
do que dirigir algumas palavras gentis ao ChatGPT.
Eduardo
Felipe Matias é autor dos livros A humanidade e suas
fronteiras e A humanidade contra as cordas, ganhadores do Prêmio Jabuti e
coordenador do livro Marco Legal das Startups. Doutor em Direito Internacional
pela USP, foi visiting scholar nas universidades de Columbia, em NY, e Berkeley
e Stanford, na California, e é professor convidado da Fundação Dom Cabral e sócio
da área empresarial de Elias,
Matias Advogados
Artigo publicado originalmente na Época Negócios em agosto de 2025.
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