Carregando...

Publicações

Pergunte com moderação

01 Agosto 2025/ Notícias & Artigos/

O avanço da IA generativa tem elevado o consumo de energia e recursos naturais, colocando os data centers no centro do debate ambiental, econômico e geopolítico

 

Você fechou a torneira enquanto escovava os dentes hoje? Lembrou de apagar a luz ao sair do quarto? Nos últimos anos, práticas cotidianas relacionadas à sustentabilidade passaram a dividir espaço com uma nova preocupação: o uso consciente de ferramentas de IA generativa.

Uma única consulta ao ChatGPT pode consumir até dez vezes mais eletricidade que uma busca comum na web. Estimativas indicam que redigir um e-mail de cem palavras com IA consome energia equivalente à de 14 lâmpadas LED acesas por uma hora. Gerar uma imagem pode demandar até sessenta vezes mais, o que se agrava com a popularização da criação visual, impulsionada por modas virais como filtros inspirados no Studio Ghibli ou na Turma da Mônica. Repetidas centenas de milhões de vezes, essas solicitações disparam o consumo energético. Sam Altman, CEO da OpenAI, já estimou que apenas processar expressões de cortesia como “por favor” e “obrigado” pode custar dezenas de milhões de dólares por ano em eletricidade.

O impacto de certos modelos de linguagem vai, inclusive, além de seu uso – seu treinamento pode consumir de sete a oito vezes mais energia do que tarefas computacionais convencionais.

O emprego da IA generativa explodiu tanto entre usuários domésticos quanto entre as empresas. Em 2024, segundo dados da McKinsey, 65% delas se valiam regularmente dessas ferramentas – o dobro do registrado no ano anterior. Esse avanço depende de uma infraestrutura robusta de data centers que, embora existam desde pelo menos 1945 – quando o ENIAC ocupava uma sala inteira na Universidade da Pensilvânia –, passaram por uma transformação significativa nos últimos anos. Além de se multiplicarem em ritmo acelerado, esses centros evoluíram tecnicamente e hoje são verdadeiras “fazendas de dados” equipadas com placas gráficas (GPUs) que consomem até quatro vezes mais energia que processadores tradicionais.

A relação entre a expansão dos data centers e o aumento do consumo elétrico é direta. Atualmente, esses centros utilizam 415 terawatt-hora por ano, o que equivale a 1,5% da energia global – mais que a Arábia Saudita – e a previsão é que esse número alcance 945 TWh até 2030, aproximando-se do total consumido pelo Japão.

Essa intensa demanda energética também eleva o gasto de água. A principal tecnologia de resfriamento emprega água doce, que evapora ao retirar o calor dos servidores – um processo que consome, em média, 1,8 litro por kWh. Pesquisadores da Universidade da Califórnia calcularam que entre 20 e 50 consultas ao GPT-3 bastariam para evaporar meio litro de água. Com os atuais 400 milhões de usuários semanais do ChatGPT, em apenas sete dias evaporariam 200 milhões de litros – o suficiente para abastecer, por um dia, uma cidade de médio porte. Em 2022, Google, Microsoft e Meta retiraram da natureza cerca de 2,2 bilhões de metros cúbicos de água, considerando seus data centers e as usinas que geram sua eletricidade. Isso equivale ao dobro do consumo anual de água da Dinamarca.

Além das pressões ambientais, a corrida por data centers envolve aspectos econômicos e geopolíticos. Hospedar essa infraestrutura pode gerar empregos, aumentar a arrecadação e, principalmente, assegurar que dados e sistemas estratégicos permaneçam em território nacional, reforçando a soberania digital. Alguns países já perceberam que, para atrair essa indústria, é preciso considerar os impactos dos data centers sobre os recursos naturais.

É o caso do Brasil, onde quase dois terços das atividades digitais – como uso de aplicativos, armazenamento e processamento de dados – são realizados no exterior, em locais onde os custos são até 40% menores, como Oregon, Virgínia ou Texas. Para reverter esse cenário, o governo quer promover o País como um destino competitivo e sustentável, destacando sua matriz elétrica majoritariamente renovável – com 89% de origem limpa, principalmente hidrelétrica. Com esse propósito, apresentou o Plano Nacional de Data Centers (ReData), que pretende atrair R$ 2 trilhões em investimentos na próxima década, com isenção de impostos sobre equipamentos importados e medidas para desonerar a cadeia produtiva nacional.

Apesar do potencial econômico, a iniciativa causa receios – especialmente quanto à segurança hídrica. O treinamento de uma versão do GPT em Iowa, por exemplo, utilizou 41 milhões de litros de água em apenas um mês – o equivalente a 6% da média mensal do distrito. Na região conhecida como “corredor de data centers”, na Virgínia, a demanda de água aumentou 64% entre 2019 e 2023. Situações como essas acendem um alerta também no Brasil, que em 2024 enfrentou uma seca histórica e precisou acionar termelétricas fósseis – prova de que nem mesmo um país com abundância de rios está imune ao risco de escassez de água.

Há, contudo, soluções técnicas em desenvolvimento para mitigar o problema. Avançam as pesquisas sobre resfriamento com líquidos reciclados, reaproveitamento do calor gerado e uso de fontes industriais em vez de água potável. A adoção de energia renovável – especialmente a solar – também pode contribuir. Além disso, a própria IA pode se tornar uma aliada da sustentabilidade ao melhorar a eficiência dos algoritmos – como fez a empresa chinesa Deepseek, que reduziu significativamente o consumo energético durante o treinamento de seu modelo graças a uma técnica chamada destilação.

A pegada ecológica da IA tem atraído cada vez mais atenção pública. Na corrida por data centers, vantagem competitiva e preservação ambiental são inseparáveis, e ignorar uma dessas dimensões pode afastar investidores e sair bem mais caro do que dirigir algumas palavras gentis ao ChatGPT.

 

Eduardo Felipe Matias é autor dos livros A humanidade e suas fronteiras e A humanidade contra as cordas, ganhadores do Prêmio Jabuti e coordenador do livro Marco Legal das Startups. Doutor em Direito Internacional pela USP, foi visiting scholar nas universidades de Columbia, em NY, e Berkeley e Stanford, na California, e é professor convidado da Fundação Dom Cabral e sócio da área empresarial de Elias, Matias Advogados

 

Artigo publicado originalmente na Época Negócios em agosto de 2025.

Acesse a imagem do artigo original aqui: PDF



Publicações relacionadas


Comentários/ 0


DEIXE SEU COMENTÁRIO

Por Advogado
Por data

RECEBA NOSSAS NEWSLETTERS