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Como construir um ecossistema de startups bem-sucedido

03 Abril 2023/ Notícias & Artigos/ INOVAÇÃO E STARTUPS

Receitas prontas para fomentar o setor normalmente não funcionam, mas alguns elementos são essenciais para impulsionar o empreendedorismo inovador em uma determinada região

 Eduardo Felipe Matias


Se, como Tolstói escreve no início de seu romance Anna Karenina, “todas as famílias felizes se parecem, e cada família infeliz é infeliz à sua maneira”, também os ecossistemas de startups podem fracassar de várias formas, mas os bem-sucedidos têm diversos pontos em comum.

Embora esses ecossistemas, que consistem em uma rede de empresas, pessoas, instituições e recursos, possam corresponder a um ambiente virtual – como ficou claro na pandemia –, normalmente eles se identificam com o ambiente físico de uma região ou cidade, e a edição deste mês de Época Negócios mostra como certos lugares do planeta foram especialmente felizes em fomentar o empreendedorismo inovador.

Quais seriam os fatores que explicariam esse êxito, e o quanto o Brasil estaria hoje bem-posicionado para ter um bom desempenho nesse setor?

O primeiro desses fatores é o capital humano. Um ecossistema de startups promissor deve ser capaz de gerar e atrair talentos. A qualidade de seus fundadores e de seus times de colaboradores é um dos elementos mais decisivos para que uma startup decole. Um grupo que, além de reunir pessoas com experiências variadas e competências complementares, seja caracterizado pela diversidade – inclusive incorporando profissionais estrangeiros, com diferentes culturas –, gera empresas mais resilientes e mais criativas.

A maior contribuição para a formação de capital humano, como não poderia deixar de ser, vem da educação. Regiões com universidades de ponta costumam se destacar nos rankings desses ecossistemas. E, na era digital, se essas universidades são referência em Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM, na sigla em inglês), os resultados costumam ser ainda melhores. Não por acaso, o Vale do Silício e a Bay Area, que lideram esses levantamentos, contam com universidades como a de Stanford e a da California em Berkeley.

Essa contribuição vai, no entanto, além das universidades. É preciso que a educação para o empreendedorismo permeie todos os níveis de ensino, a fim de construir uma cultura nacional de inovação.

Outro capital fundamental é o financeiro. Para se desenvolverem, as startups necessitam captar recursos. Sem uma base consistente de investidores-anjo e um bom número de fundos de venture capital, dificilmente um ecossistema irá triunfar. Mais uma vez, neste caso, graças à abundância de indivíduos e de empresas com esse perfil lá instalados, o Vale do Silício ocupa o topo dos investimentos desse tipo – os quais chegaram a 105 bilhões de dólares em 2021.

Além disso, é importante a existência de uma rede de suporte formada por diversas instituições, como incubadoras e aceleradoras, que fornecem mentoria, estrutura física e oportunidades de networking e colaboração entre as startups, e espaços de coworking, que permitem que essas empresas tenham flexibilidade e menores custos fixos. Outro impulso vem das grandes empresas que, por meio de corporate ventures – tendência crescente no mercado – têm apostado nas startups para encontrar soluções inovadoras, formando parcerias com potencial de trazer ganhos para os dois lados.

A qualidade dos serviços e da infraestrutura em um determinado local também pesa. Startups precisam do suporte de consultores, advogados e contadores que conheçam as peculiaridades do setor, e de redes de comunicação eficientes, energia barata, internet de alta velocidade, facilidade de transporte e de moradia – item que, apesar do aumento do trabalho remoto, ainda é necessário para atrair capital humano.

Cidades que são centros relevantes de startups costumam realizar inúmeras feiras e conferências para debater e promover o setor, disseminando conhecimento e conectando empreendedores e investidores. É o caso de Austin e seu festival South by Southwest, cuja repercussão hoje é global. Esses eventos contribuem para a formação de comunidades e jogam os holofotes sobre o ecossistema dos locais onde ocorrem, atraindo mais talentos e dinheiro.

Outro ponto a ser considerado é o acesso a mercados. Um mercado local ou nacional pujante e de tamanho significativo, onde possam comercializar seus produtos e serviços, permite que as startups ganhem escala. O acesso a mercados internacionais – o que quase sempre depende do grau de abertura da economia onde as startups estão instaladas – pode ser a única maneira de algumas delas se transformarem em unicórnios.

Por fim, uma região não conseguirá fazer seu ecossistema de startups prosperar sem um bom ambiente regulatório. Políticas públicas destinadas a eliminar a burocracia, simplificar a obtenção de vistos ou conceder incentivos fiscais, por exemplo, trouxeram resultados muito positivos em alguns países, como constatou o estudo “Sharing Good Practices on Innovation”, que tive a oportunidade de conduzir junto com o especialista europeu Leonardo Piccinetti, por indicação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações brasileiro e da União Europeia, em preparação para as discussões sobre o nosso Marco Legal das Startups.

Nesse item, o Brasil, que pontua bem em vários dos aspectos aqui tratados, tem bastante espaço para melhoria. Mesmo assim, nosso setor de startups tem evoluído e abrange hoje quase 23 mil empresas. Ter uma grande quantidade dessas empresas é, por si só, um fator de peso, pois isso atrai mais investimentos e estimula a criação de novas instituições voltadas a promover o empreendedorismo inovador, dando origem a um círculo virtuoso de crescimento.

Copiar simplesmente a fórmula que deu certo em outros locais não é garantia de sucesso, ao contrário, pode ser um erro. Cada lugar deve entender suas forças e fraquezas – algumas regiões têm mais aptidão em determinados segmentos da economia e deveriam apostar no desenvolvimento de startups que atuem nessas áreas. Porém, sem um bom desempenho em relação à maior parte dos fatores acima, as chances de se criar um ecossistema de sucesso serão bem baixas. Daí a necessidade de se cuidar com atenção de cada um deles.

 

Autor dos livros A humanidade e suas fronteiras e A humanidade contra as cordas, ganhadores do Prêmio Jabuti e coordenador do livro Marco Legal das Startups. Doutor em Direito Internacional pela USP, foi visiting scholar nas universidades de Columbia, em NY, e Berkeley e Stanford, na California, e é sócio da área empresarial de Elias, Matias Advogados

 

Artigo originalmente publicado na edição de abril de 2023 da revista Época Negócios, na coluna Na Fronteir@. Acesse aqui: Como construir um ecossistema de startups bem-sucedido | Na Fronteir@ | Época NEGÓCIOS (globo.com)


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